sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Menina moça




Talvez ela tivesse entre doze ou treze anos, magra, cabelo indefinido, querendo ser crespo, querendo ser liso.
Alta em relação às meninas de sua idade, sorriso tímido querendo ocultar os dentes que ela achava tortos, mas que não eram.
Sardas no rosto, poucas, mas que ela achava muitas quando se olhava no espelho. A mãe tinha contribuido, anos atrás, com essa paranóia de que sardas devem ser clareadas. Quando lavava o arroz, colhia a água e fazia a menina lavar o rosto com ela. Não podia enxugar! Com isso, fez com que ela acreditasse que as sardas eram feias, escuras. Mas não eram, eram adoráveis, simpáticas. Só que ela não sabia.
Quando começou a conversar com as amiguinhas sobre a chegada da primeira menstruação deixou-se tomar pelo pânico.  Essa garota nunca soube, ninguém contou a ela o que acontecia com as mulherzinhas daquela idade. Então teria também que menstruar? Ficou completamente sem rumo, resolveu que perguntaria ao pai. E perguntou.
Quando a vi chegando, sorrateira, querendo me confidenciar sobre esse dia, fiquei com pena ao pensar  naquele pai, chegando do trabalho e percebendo - porque ele percebia -que a filha estava com o rosto tenso, sem saber como começar o assunto.
- pai, minhas amigas já ficaram mocinhas, só eu ainda não.
Ela me conta, quando estamos conversando sobre aqueles dias, que sentiu muita vergonha. Nem sabe como conseguiu começar a falar.
O pai, como sempre, mostrou a maior naturalidade, explicou que algumas meninas demoravam mais, e que "era assim mesmo". Deu mais algumas explicações e sugeriu esperar o tempo se encarregar disso.
Mas o tempo não se encarregou e então aconteceu um fato novo, que quando ela me conta, rindo, eu só posso rir também. As preocupações se inverteram. O pai perguntava a ela se não tinha novidades e ela se envergonhava em dizer que não. Seria normal? Não seria melhor procurar um médico?
Lá se foram, pai e filha ao consultório de um médico de confiança. Nos nossos momentos de aconchego e confissões ela me conta que sentiu muita vergonha quando o doutor começou a fazer perguntas, dar explicações,  falou até sobre sexo!
Pobre menina, criança ainda e tendo que aprender através de  um estranho o que seria natural ser explicado e resolvido por uma mãe.


São muitas as noites que conversamos até tarde, rimos ou choramos, depende de nosso astral, depende da quantidade de cerveja que tomamos.
Ela me garante que superou esses pequenos traumas, que vive bem com essas lembranças, ora boas...ora divertidas...não raro tristes. Falou-me sobre quando suas filhas "ficaram mocinhas", do modo como foi  emocionante para ela, porque pôde participar, ensinar...
Quanto à sua primeira menstruação contou ao pai, envergonhadíssima, olhos baixos, como se fosse algo feio de dizer. O pai sorriu, perguntou se precisava de alguma coisa e lembrou-lhe o que o médico havia dito.
Muitos anos se passaram até que voltassem ao assunto. Quando  já estava casada e com as filhas adolescentes o pai um dia perguntou: - já disse para as meninas o que elas precisam saber sobre os assuntos de mulher?
Diante da resposta afirmativa ele apenas sorriu e olhou para ela com aquele olhar cúmplice que só ele tinha.
Quando vejo minha amiga lembrando-se desses momentos, pergunto se quem teve um pai tão presente, precisaria mesmo de uma mãe. Ela me responde sorrindo que sim, que sentiu a falta da mulher forte ao seu lado em alguns momentos cruciais, como nos partos. Mas que sobreviveu, não estava alí?
Sim, ela está aqui comigo. Às vezes menina, às vezes já velha, mas está aqui me olhando com olhos curiosos, à espreita, esperando que eu me dirija ao computador para contar mais um pouco de nossa história.
Quem diria amiga, que um dia seríamos companheiras de blog, e escreveríamos a quatro mãos nossa historia de vida.
Como conheço essa mulher que tem a mania de ficar menina quando me procura, sei também que ela jamais terminaria uma conversa sem levantar um brinde, porque adora celebrar a vida.
Aqui fica então nosso brinde de hoje, feliz e sem traumas, apenas repleto de boas recordações e saudades.
Saúde! tim...tim!

11 comentários:

  1. BRAVO!
    Linda essa postagem, e linda a maneira de escrevê-la...Gostei muito!
    Você se superou ao escrever estas lindas palavras "a quatro mãos"! Beijos!

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  2. Que lindooooo!!!! reconheço este PAI, ele é único....

    E voce...é DEMAIS...torno a falar ele me deixou uma linda herança!!!!

    Beijos

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  3. Só você mesmo...Como é forte...como é corajosa...Essa garota eu encontro ao olhar em seus olhos, por mais que o tempo passe...por mais que o corpo envelheça...Ao olhar em seus olhos,vejo o reflexo de uma garota...uma menina, cheia de esperança e curiosa, ainda descobrindo e aprendendo muito, que estória e que experiência de vida que você unica garotinha daquele tempo teve com seu Pai...Como foram amigos, que lindo isso...
    Parabéns a essa garota vitoriosa.

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  4. Saudades de vc!!!! Ivani!! Adorei seu texto e como sempre me emocionei ao ler suas palavras!!! Quando era menina minha vó guardava a água do arroz para que eu lavasse meu rosto tbém. Minhas sardas continuam aqui...rsrsrs...

    Lara me escreveu e disse que Valentina gostou!! Fico muito feliz!! Ela merece!!! Beijos, querida, Ivani!!!! Bela.

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  5. Bela a agua do arroz não resolveu para mim tambem... minhas sardas continuam aqui...

    Beijos

    Eliana

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  6. acho que essa "agua de arroz" é universal.
    Todos conhecem o tal do milagre que nunca dá certo. O ruim disso tudo é que - mesmo sem intenção - as meninas ficam com aquela sensação de que as sardas são feias, precisam ser combatidas, quando na verdade são graciosas, charmosas.
    Pobres "meninas cobaias" de suas mães e avós que também foram. Ainda bem que não se usa mais isso, ou usam?
    beijos e obrigada por todos os comentarios tão carinhosos.

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  7. Ha Ivani...Eu sou um tantinho mais nova, e lavava também, e ainda tomava agua na concha, naquela bem funda de sopa para crescer os peitos...Não cresceu...!!!!kkkkkkkk

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  8. é mesmo! tem essa da concha para ficar com os seios grandes. E se a gente puxar pela memória tem mais dessas crendices. Vamos tentar lembrar?
    beijos

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  9. Af! Também tenho um zilhão de sardinhas no rosto, mas você sempre as elogiou, nunca me disse para tirar...e é por isso que eu as acho um charme, tenho o maior orgulho das minhas pintinhas!

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  10. Você diz da falta da mãe, mas mais falta ainda ela faz quando fisicamente presente e emocionalmente ausente... Lindo e emocionante texto. Bjs e já linkei para te seguir.

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