quarta-feira, 17 de novembro de 2010
"inhá" Albina
Esse título de "inhá" ela carregou durante toda a vida. Era uma maneira carinhosa de tratar as mocinhas naqueles idos de 1900, quando minha avó ainda era menina. Explico que não pronunciavam o "S" de sinhá para facilitar, ou por preguiça mesmo. Mas vamos pronunciar certo, de verdade mesmo - é "nharbina" - como se fala lá pelos lados de Capivari, Piracicaba e também Sorocaba. E assim foi conhecida, sempre.
Nharbina foi mãe de meu pai, uma figura rara entre as raras. De bela estampa, alta, magra, cabelos sempre com "permanente" para ficarem armados, vaidosa ao extremo. Certa vez quase ficou careca porque disseram para ela que agua oxigenada clareava os cabelos, mas não explicaram qual o tipo ou grau da água, causando um dano enorme, e o cabelo que restou ficou amarelo como ouro, todo espigado, duro mesmo. Demorou para crescer novamente e ela ria até não poder mais com a tal historia do cabelo de milho.
Fumava muito, cigarros sem filtro, fedidos e que amarelavam os dedos, porque ela os aproveitava até o fim.
Tudo em volta cheirava cigarro, e todos toleravam esse vício que ela trazia desde menina, porque na velhice já não poderiam tirar-lhe essa alegria.
Quando estava enfrentando os sintomas de sua menopausa, aos quarenta e poucos anos, teve a infelicidade de passar pela pior das dores, seu filho Elidio, caçula dos homens, morreu de maneira um tanto obscura. Vou pular essa parte, qualquer dia volto ao assunto.
Nharbina entrou em depressão, os hormonios alterados, as dores grandes demais para serem encaradas de frente. Preferiu se enrolar em seu caracol, silenciou, não queria mais brincar de mãe, de avó...
Eu, nessa época muitocriança, lembro-me bem dos comentários das tias e de meu pai, lamentando que talvez estivesse louca, talvez um hospital para tratamento. Isso também dará outro capitulo, que eu prefiro contar à parte.
Ela não estava louca, apenas depressiva e muito doente, numa época em que não davam muita importância para esses problemas de mulher. Quando voltou do sanatório minhas tias levaram-na e a um centro espírita muito respeitado em Sorocaba, pois ela insistia em dizer que via um homem chorando em um canto do quarto.
Ela chamava esse homem de "sofredor" e as seções de mesa branca, de bençãos e passes, aliviavam aquela cabeça sofrida de mãe sensível e amorosa.
Com o tempo e o apoio constante dos amigos do centro e da familia, recuperou as gargalhadas quando achava graça de nossas palhaçadas, agora os netos todos já crescidos, alguns já adultos.
Fumou a vida toda e lembro-me dela tirando do bolso da saia um lenço amarrado com vários nós, que ela desfazia com os dedos amarelos de tabaco e tirava dinheiro para um dos meninos ir ao bar comprar cigarros.
- pode comprar doce com o troco, traga bala de hortelã!
Um traço marcante seu era o hábito de fazer perguntas indiscretas aos netos, que respondiam de maneira mais indiscreta ainda esperando que ela ficasse corada, mas qual! encarava com muito jogo de cintura qualquer brincadeira da moçada.
Se a música no radio era alegre, puchava um neto ou uma neta e saia dançando, o que nos fazia felizes.
Por morar longe de sua casa eu pouco convivi com essa "sinhá" divertida, apenas nos períodos de férias, ou quando meu pai ia buscá-la para passar uns dias conosco.
Achava muita graça, uma delicia mesmo, quando ela dizia no meio de uma conversa: - coitado do Tide, olha como tá magro, esse meu filho não tem saúde!
Tide é meu pai, sempre foi magro, e todas as vezes que nos víamos era sempre a mesma observação. Virou até folclore na familia o "coitado do Tide".
Minha madrasta, Joana, ficava muito brava e dizia - até pareçe que a gente não dá comida pra ele, sempre foi magro!". E todos nos divertíamos muito, até minha avó que teimava em explicar que Tide era mais gordinho quando solteiro - era nada!
Não me lembro, por mais que tente, de um prato ou guloseima que tenha feito em sua cozinha. Acho que não era dada à culinária, fazia o trivial. Também não se prestava a trabalhos manuais (pronto, descobri de quem herdei a dificuldade nos trabalhos artísticos) apenas costurando algumas roupas para ela mesma.
Quantas lembranças! ficaria aqui por horas escrevendo sobre aquela mulher divertida em sua inocência de pessoa humilde, desprovida de cultura, acho até que nem sabia ler, mas com olhos brilhantes e alegres de "sinhá" bonita e vaidosa, que namorou e casou com Plácido, meu avô, na fazenda Samambaia, dando frutos queridos dos quais ela tinha muito orgulho.
Essa foi minha avó, uma das culpadas de tudo o que somos hoje - meio loucos, meio paranoicos - mas com essa alegria nos olhos, esse gostar de dançar, essa alegria de estar junto.
Para Nharbina eu levanto meu brinde de hoje e celebro a mágica de viver em meio a nuvens de fumaça, música no radio, lágrimas e sorrisos. Essa foi sua vida durante anos e anos e, para mim, foi o que ficou. Tim...tim!
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Essa é inédita pra mim,realmente não conhecia!
ResponderExcluirBonita história,beijos
Uma delícia ler o que você escreve. Dá muita vontade de ter conhecido os personagens que você descreve. Parabéns!
ResponderExcluirAbraços,
Eneida
Que boa lembrança!!!! ela era ótima mesmo!!!
ResponderExcluirEla não cozinhava, gostava de polenta como ninguem...quando estava passando uns dias em casa minha mãe fazia tudo que ela gostava, mas tinha uma coisa que minha mãe se recusava: ela queria comer frango caipira matado na hora...era um HORROR, lá vai minha mãe comprar o frango VIVO e entregava para ela fazer o serviço sujo... ela fazia na maior tranquilidade, afinal faz parte da vida no campo...em um unico dia ela fazia minha mãe leva-la em : uma igreja católica, uma crente e um centro de mesa branca... coitadinha... mas era feliz... o rádio dela esta comigo, é de vávula e ainda funciona! legal né? (já vou avisando é MEU, MEU pai me deu!!!!!
Beijos
Eliana
eu nem ia pedir mesmo! sei que é seu!
ResponderExcluirmas essa historia do frango eu tinha me esquecido, assim como o dia de ano novo que ela bebeu acima da conta e não parava mais de rir.
E isso de ir às mais variadas igrejas era bem dela mesmo, mas gostava demais de um centro espírita, coitada.
Estava pensando que o hábito que o papai tinha de pentear os cabelos também herdou dela. lembra?
aproveito e agradeço as palavras da Eneida. Beijos
Sabe de uma coisa? Eu me identifiquei muito com a sua avó!!! Acho que herdei algumas coisinhas dela...rsrsrs
ResponderExcluirQue figura hein!
Um brinde ã Nharbina, afinal foi graças a ela que você "surgiu"....
beijocas
Que legal Ivani...Boas lembranças...Um dia quero ver esse rádio heim Eliana!!!E Ju vc deve ter herdado o sorriso fácil, pois mesmo sem umas biritas adora umas boas gargalhada, aquelas de perder até o folego...
ResponderExcluirBj
MARAVILHOSO!!!!!!! que saudades da minha avó, não esqueço nunca ela me chamando de ERSO, herdei dela muitas coisas, uma delas e o tremular das pernas e pé, quando estou sentado.Adorei todos os anteriores que eu não comentei, essa semana corri mais que noticia ruim, mas não fiquei perdido como um carrocho que caiu da mudança.....beijos.
ResponderExcluirdeve ter sido uma semana ruim mesmo, tá perdoado!
ResponderExcluirmas não precisa escrever "carrocho" ao invés de cachorro.
É mesmo, ela chamava você de Erso e tremia as pernas quando sentada, igual você.
isso chama-se "síndrome das pernas inquietas".
Não tinha coisa melhor pra herdar???
beijo
Olá, querida!! Mais uma dose de Ivani antes de dormir!! Linda história e mais um personagem escrito por vc!!
ResponderExcluirLhe desejo sempre tudo de melhor!! Bejos mil! Bela.
Linda lembrança!!! Bjs
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