quarta-feira, 30 de maio de 2012

Por amor?



Mulher jovem, negra e pobre.  Sua casa era a última da vila, chamada de "cortiço", no bairro humilde de maioria operária.
O marido, homem bom,  distraia-se  sentado á porta da sala, rodeado pelos quatro filhos, sempre às voltas com uma fruta para descascar ou simplesmente olhando o movimento da rua.
Trabalhava na industria, serviço pesado, e os horários eram modificados a cada semana.
Mas em cada turno de descanso, lá estava ele sentado nos degraus que levavam á porta da casa.
Pobres, a casa era pequena demais, apenas um quarto e uma sala. A cozinha e o banheiro estavam precisando de reformas, mas as despesas eram muitas, as crianças para alimentar...
No entanto os vizinhos percebiam que eram felizes. Ele tinha gênio bom e ela era uma mulher alegre, limpa, boa mãe.
Isso lá pelos anos 60, quando eu ainda era muito jovem e passava diariamente pelos fundos da vila, vendo seus quintais, indo para meu trabalho.
Ela estava sempre por ali, cedinho, estendendo as roupas no varal ou varrendo o espaço de terra batida.
Abria um sorriso para mim, um bom dia ou um comentário sobre o tempo.
Nada mais do que isso. 
O marido naquela semana estava escalado para o turno da noite, coisa corriqueira,  eles já estavam habituados.
Ela decidiu então, enquanto ele dormia durante o dia, ir com as crianças até o campo que havia ali perto.
Muitos terrenos baldios, os filhos correndo soltos enquanto ela procurava por determinada erva.
Lembrava-se que sua mãe e tia sempre diziam que um chá bem quente e forte dessa erva daria fim ao motivo de sua enorme preocupação.
Não tinha contado ao marido, para não deixa-lo apreensivo. A vida era dura, uma nova boca para alimentar não estava nos planos, ela não levaria aquela gravidez adiante.
Comentara superficialmente com uma prima. Dizia-se triste, amava os filhos que tinha, mas deveria tomar uma atitude antes que a barriga volumosa a condenasse.
Quando o marido foi para o trabalho naquela noite, ela colocou os pequenos para dormir, preparou o chá e tomou bem quente.
Deitou-se de lado e dormiu. Para sempre.
Lembro-me da dor no rosto do marido, da perplexidade dele ao saber o motivo, da impotência diante dos quatro filhos tão pequenos.
Ela que tanto queria evitar-lhe mais problemas, colocou um fim em sua alegria, seus planos e sonhos.
Pobre mãe pobre . . .
Hoje já sou avó e entendo como nunca o que aquela mulher pensava ao deitar-se depois do chá.
Claro que muitos dirão :
- quem cria quatro crianças pode criar cinco, ela errou muito ao provocar um aborto, e etc...
Eu apenas fico triste quando me lembro.  Não é ser pobre, nem negra, nem mulher o que mais me comove nessa historia.
E sim a tremenda solidão do seu ato. 



32 comentários:

  1. Depois que me tornei mãe passei a entender tantas coisas que antes era tão fácil e simples julgar.
    A dor da solidão, por amor?
    Vou ficar com a sua belíssima maneira de escrever e muitas reflexões.
    Beijo querida

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  2. Puxa,Ivani!!Foste buscar longe essa história e nos comover com ela. Parei pra pensar a cena toda e vi que apesar da felicidade aparente deles, ela teve medo: medo de passar mais trabalho, medo de falar ao marido, medo de fazer sofrer mais uma criança, com pouca comida e recursos.

    E a hora do chá...Tomar e esperar...É de dar dó! Tocante,bem escrito! beijos,tudo de bom,chica

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  3. Querida amiga!
    Bela postagem como sempre!
    Narrastes de uma forma tão comovente.
    Estou aqui emocionanda e imaginando as cenas...
    Abraços! Boa noite e uma quarta feira abençoada pra ti.

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  4. Ivani,

    Tristeza, mas escrita com maestria por tuas mãos de fada.

    Beijos,

    Eneida

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  5. Ivani do céu que conto lido e pungente, embora tenha um fim tão triste. E a sua frase final foi de arrasar quando você encerra dizendo sobre a solidão de seu ato! Parabéns, amiga por saber contar tão bem uma história assim! Grande abraço!

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  6. "Claro que muitos dirão :
    - quem cria quatro crianças pode criar cinco, ela errou muito ao provocar um aborto, e etc..."

    Sim, é muito fácil ser juiz de situações alheias, condenando as pessoas para bancar o bom, quando não somos nós que estamos na berlinda. Eu sempre digo isto aos que adoram apontar o dedo para os outros por causa de um dogma, uma "filosofia de vida" ou estupidez, em um português mais direto. Julgar e condenar sem ter a mínima noção do que a pessoa está vivenciando, sem ter a mínima percepção e empatia com o sofrimento alheio e procurar saber o porquê de certas pessoas tomarem atitudes extremas como esta.
    Muito triste e muito bem contada sua história.

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  7. É uma história triste, mas muito comovente.
    Como tu escreves bem, amiga!

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  8. Oi Ivani! Sempre me comovo com suas histórias. Triste solidão desta mãe. Pelo medo de desamparar um, acabou desamparando todos, até o pobre marido. triste fim. É são histórias do caminho, do meu e do seu.
    Abraço

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  9. Querida amiga, como sempre, a razão te pertence.
    A solidão do ato foi comovente.
    Atualmente tenho uma certeza apenas, a solidão é muito doída.
    Abraço.

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  10. Oi Amiga querida!!!

    Amanhã virei comentar...meia noite e o sono já chegou...

    Bjssssss,
    Leninha

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  11. Ivani, sabe que por aqui grassa uma brutal crise de desemprego que, aliás se espalha por toda a Europa.
    Talvez por isso, multiplicam-se os workshops sobre manualidades que conferem ferramentas de sobrevivência a não desprezar. Por exemplo, se você mandar subir a bainha de umas calças, pagará 5€ ( 10 reais!) ... um absurdo. Porque não aprender a costurar, seja homem, seja mulher?
    Não faz sentido encarar essa atividade como sendo um trabalho menor. Pena tenho eu de saber muito pouco!
    Beijo

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  12. Oi amiga,

    Muito triste a sua história,mas,infelizmente,muito real...e o pior é que as pessoas se julgam no direito de condenar,de atirar pedras sem saber o real motivo que leva uma pessoa a tomar determinadas atitudes.Ela era feliz,apesar de sua pobreza material,mas como colocar no mundo outra criança para viver na miséria e ainda tirar dos outros filhos o pouco que havia?
    Dä uma pena enorme...mas não,não podemos e não devemos julgar...
    Parabéns pela beleza da narrativa que nos faz refletir sobre a fragilidade humana e sobre a solidão que acompanha tantas decisões...

    Bjssssss,
    Leninha

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  13. Oi Ivani querida!
    Como gosto de passar aqui. Os seus relatos são sempre tão minuciosos, cheios de sensibilidade...
    Uma história triste, e analisando o outro lado, é tocante tentar entender a solidão dessa mulher, a tristeza de seu ato...
    Para você um excelente final de semana!
    Bjão
    Débora

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  14. Oi querida
    Saudades!
    Obrigada pelo recadinho no meu blog!
    Beijinhod

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  15. Ivani, cheguei cedinho aqui pra agradecer os carinhos. Que coisa essa de não dar pra comentar. Tá louco como a dona dele ,meu blog,srsr.

    um lindo fds,beijos,tuuuuuuuuuuuudo de bom,chica

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  16. Meu Deus, fico imaginando o desespero dessa mulher. Não conseguiu ver uma luz no final do túnel, não quis preocupar ninguém, quis ser forte...Sem palavras mais.

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  17. Você está linda nesta nova foto do perfil!
    Beijo querida, bom final de semana.

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  18. Que tristeza Ivani. Como você o que me entristece é a solidão, o desespero que aquela mulher sentiu.
    E pensar que tantos casos como esse aconteceram, e ainda acontecem nesse mundo. Que vida sofrida.

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  19. Que tristeza Ivani. Como você o que me entristece é sentir a solidão e o desespero dessa mulher.

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  20. OI MINHA LINDA AMIGA!
    NÃO HÁ MAIOR TRSITEZA QUE A SOLIDÃO.
    UMA VIDA SOFRIDA ASSIM MATA AOS POUCOS E ISSO É AVASSALADOR NA VIDA DE QUALQUER UM.
    UM BEIJO COM MUUUUUITO CARINHO

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  21. Que história triste...e real de nosso mundo e vida!
    As vezes acontece ao nosso lado e não vemos ou não sabemos ou não enxergamos com a alma...
    Uma boa noite para vc Ivani!
    Bjs e um ótimo domingo com boas energias...
    CamomilaRosa

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  22. OI IVANI
    EU NÃO ACREDITO NO DITADO QUE ONDE COMO UM COMO DOIS...ACHO ISSO INGENUO ROMÂNTICO E PERIGOSO.
    COLOCAR FILHOS NO MUNDO SEM PODER DAR NADA, NÃO ACHO CERTO,OS FILHOS DEVEM PODER TER UMA VIDA DIGNITOSA, SENAO PARA QUE COLOCAR LOS NO MONDO ??
    BOM ISSO è O QUE EU PENSO,AS MINHAS PALAVRAS PODEM PARECEREM DURAS E CRUEL.
    MAS è O QUE PENSO.
    FLOR OBRIGADO PELO RECADINHO CARINHOSO.

    UM GRAN BACIONE

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  23. Eu sou a favor do aborto não como método anticoncepcional mas sim se a mulher entender que não quer não pode ter filhos.
    a vida sempre foi dificil mas quantas mulheres não morreram assim pois não tinham outro meio de evitar uma familia maior, mais despesa e uma boca a masi conta e muito.
    Ainda bem que hoje é diferente.
    Sou crente em Deus mas não aceito que se tenha um filho quando não queremos ou podemos....
    Beijos

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  24. Ivani querida,

    Mas que foto linda!Adorei!É bem do jeito que eu te imagino,com este sorriso que vem dos olhos para a boca e nos transmite uma enorme sensação de aconchego e de ternura.
    Bjsssss,
    Leninha

    A continuação das memórias já está lá nos Sonhos...

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  25. Quem é essa garota charmosa, vestindo rosa, sorridente???

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  26. AI, QUE DÓ... SENTI NA PELE...

    BEIJOS, QUERIDA AMIGA

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  27. Voce como sempre emociona...
    Triste e angustiante...
    Nem quero falar...

    Ivani, já pensou em juntar tudo e montar um livro de crônicas? voce escreve demais... toca profundamente a alma... pense nisso. Hoje há tantas editoras procurando coisa boas.

    Beijos tristes, hoje, querida...

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  28. Voltei pra agradecer os carinhos por lá, adoro teus comentários e vim dizer que tá linda e feliz essa foto, com uma caipirinha . Mas a essa hora, não posso aceitar um gole,rs beijos,lindo dia!chica

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  29. Oi Ivani, vim agradecer a visita e acabei ficando. Gostei demais desse post. É você quem escreve? Fui ler o anterior, o do trânsito, e comecei a imaginar que morasse em Jundiaí, aqui também o comportamento é semelhante. No final vi que estamos próximas. A parte da madame foi a melhor. rs. Um grande bj. Virei outras vezes.

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  30. Olá, querida Ivani, que saudade!

    Que estória comovente! Eu também não julgo um ato desse, aliás, quem somos nós para julgar, não é verdade? Por outro lado, sou contra o aborto, pois conheci três crianças adotadas que foram maravilhosamente bem cuidadas pelos pais adotivos. Todos ficamos sabendo também da estória do Steve Jobs, que também foi adotado e amou profundamente os pais adotivos, como ele próprio testemunhou. O interessante na estória do falecido SJ é que os pais adotivos eram menos privilegiados economica e socialmente do que os biológicos. A mãe biológica, porém, estabeleceu condição, para que o filho fosse dado ao casal adotante, que foi a de que dessem ao bebê educação de nível superior. Esta condição não pôde ser cumprida, pois no tempo devido, o jovem abandonou a universidade para trabalhar, afim de ajudar nas despesas domésticas. Ele próprio admitiu que foi com dificuldade que o pai adotivo o pôs na universidade, paga e cara, o que o fez se decidir pelo trabalho. Porém, a estória deu no que deu, o que prova que as vidas humanas são todas envoltas num complexo sistema de possibilidades.

    Um beijo e boa tarde!

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  31. Ivani
    Mais uma vez me emocionei ao ler o seu texto e estou aqui imaginando o que levou esta mulher a tomar uma atitude tão radical como esta. Não devemos julgá-la, apenas lamentar pelos filhos órfãos e as dificuldades a partir deste ato.

    Agradeço pela visita e pelo seu carinho.

    Beijos e um ótimo feriado

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  32. Olá, Ivani, voltei para dizer que quando vc aparece, meu coração salta de alegria. Obrigada, querida pela sua presença! Que Deus lhe abençoe! Beijos!

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