A menina no balanço

Na sala há um cantinho, pequeno, onde coloco alguns objetos que amo.
Olha que lindo o relógio. Logo abaixo dele a Madona que meu irmão, Marcio, tão carinhosamente trouxe de Roma.
À direita dois pequeninos quadros em alto relevo, que vieram da Áustria,  delicadamente pelas mãos de minha amiga Halina.
O relógio, tão leve,  tem uma menina no balanço. Os segundos são marcados pelo embalo dessa menina, num sobe e desce harmonioso. A casinha de madeira tem flores pintadas nos umbrais das janelas e na varanda. As fotos estão escuras, peço  desculpas, uma dia faço algumas à  luz do sol.

Quantos anos tem? Não sabemos - segundo uma pessoa aqui da cidade, ao ver seu mecanismo, diria que foi fabricado nos anos l920. Quase um século.
Halina chegou ao Brasil depois da segunda grande guerra. Nascida na Alemanha veio pequenina, com o irmão e os pais, que nasceram no leste europeu. Com eles aprendi muito cedo a respeitar os imigrantes que chegavam para viver em nossa terra.
Gente trabalhadora e digna, povo sofrido com as agruras daquela guerra que destruiu as familias.
O relógio veio com eles e enfeitava a sala da simpática casa de minha amiga - a mais branca e com o jardim mais bem cuidado da nossa rua.

Sr. Stanislaw e Dona Bárbara, os pais dela. Ele bonito, forte, cabelos muito curtos, pele corada de sol, sempre de camisetas brancas.
Ela uma linda mulher, pele invejável, sorriso de dentes perfeitos. Parece-me vê-la empurrando a bicicleta, vindo do trabalho, anos e anos a fio. Tinha o olhar sereno, com a cor da folha das amoreiras.
Sinto o cheiro de seus pães e de sua sopa. Invadia a rua, entrava pelos quintais, delicioso!
Quanto ao relógio,  Sr. Stanislaw contava que o trocou com uma pessoa na rua - parece-me que por alimento -  quando ainda estava na Europa. Ele não sabia dizer a origem e nem a idade.
Não raro, consigo ve-lo dando corda, colocando a menina para balançar, ajustando o horário com os dedos. Tudo delicadamente, e depois guardava com cuidado a pequena ferramenta atrás do telhado, onde ela se encontra até hoje.
Minha amiga Halina, companheira de infância e juventude, casou-se com o português José. Queridíssimo José, amigo impagável.

Dos tres meninos lindos que vieram dessa união, eu tive o prazer de batizar o Fernando. Fernando Luiz, carrega no nome a homenagem ao padrinho, meu marido. Luiz...
A orquídea que aparece na foto foi um presente dele em meu ultimo aniversário.
Quando sr. Stanislaw nos deixou, a Halina generosamente me presenteou com o relógio.
Para mim ele significa mais do que um objeto que marca horas. É o símbolo da amizade e carinho com os quais sempre fui recebida.

Cuido dele com imenso respeito, assim como rego nossa amizade como se fosse um jardim. O mesmo jardim que havia na casa branca, da rua 4, e que inunda o meu coração de saudade.
Um brinde à nossa historia, Halina.
Um dia qualquer volto para contar mais um capitulo dela.

Tim-tim...saúde!