quarta-feira, 13 de junho de 2012

Além das águas

 


Enquanto batia a roupa na tábua, na beira do rio, olhava para a outra margem, tentando adivinhar o que havia por lá.
Com a água nas canelas,  molhando o vestido que ela teimava em não enrolar como as outras,  perguntava-se o que teria depois da grande curva do rio, atrás daquela linda ponte de pedras.
Nunca saíra de sua aldeia, e à mãe perguntava sempre o que teria no fim das águas.
A mãe respondia que era o Brasil. Coitada da mãe, também nunca lhe levaram para lá, e a idéia de que o Brasil começava onde terminava o rio era tão boa, tão possível...
Quando apaixonou-se pelo rapaz mais bonito da aldeia, alto e com bigodes fartos, magro e elegante, sonhou que talvez ele a levasse até o fim do rio, depois da curva, para o Brasil.
Esses desejos de menina às vezes são atendidos, pareçe até que alguém resolve pregar uma peça.
E o seu amor partiu, soltou-se na correnteza, bem depois de onde as espumas do sabão se dissolviam, bem além da ponte de pedras,  além de onde alcançava a vista.
E ela ficou,  com água pelas canelas, muita espuma de sabão e cantorias, olhando para as bolhas que desciam calmas, rumo ao Brasil.
Ele disse que escreveria, e que um dia, quando possível, ela iria ter com ele, seriam felizes.
E assim foi feito. Como descrever o abraço na mãe, a saudade já batendo, as lágrimas engrossando o caminho molhado e sinuoso rumo ao Brasil?
Ninguém lhe disse que não ficava alí, depois da ponte, depois da curva. O grande mar, ah! ninguém avisou que havia de atravessar o grande mar, e balançar, e chorar sozinha já sufocada de saudade.
Mas ele a esperava no porto, e essa lembrança aquecia seu jovem coração.
Foi tudo perfeito. Nova vida, uma casa só sua para cuidar, filhos chegando para superar qualquer dor.
Conheci-a quando morei por um período ao lado de sua casa. Três filhas, uma excepcional, e a mais jovem brincava com meus filhos.
Contou-me sua historia e a incrível ilusão de achar que o Brasil era logo alí, onde terminava o rio.
Admirava seu bom humor e sua maneira apaixonada de gostar de morar aqui, de viver entre os brasileiros.
Nunca mais tinha voltado para sua terra, para as pessoas que deixou um dia à beira do pequeno cais.
Eu a vi chorar inumeras vezes ao relatar as coisas de sua aldeia, as falas de sua mãe, as brincadeiras de suas irmãs. Dizia que qualquer dia voltaria, mas naquela época era tudo muito dificil.
Lembrei-me hoje de Dona Julia, mulher do Sr. Fernando, que um dia deixou Portugal para casar-se com ele aqui no Brasil.
Mulher corajosa e apaixonada, que em nenhum momento sequer arrependia-se de seu ato.
Só sentia muita saudade, principalmente do rio, onde as espumas de sabão desciam tranquilas...rumo ao Brasil.



25 comentários:

  1. Linda história, Ivani! Poderia ser a história comum de tantas outras pessoas que se aventuraram por aqui. Mas suas palavras a tornam única, envolvente, emocionante. Você é uma grande escritora, querida amiga! Obrigada.

    Beijos,

    Eneida

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  2. Você escreve tão suave que fico imaginando a cena, o rio, o outro lado do rio. É sempre uma delícia ler suas histórias.

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  3. Ai, que lindo, Ivani! Que delícia ler letrinha por letrinha. Parabéns por escrever tão lindamente! Grande abraço! Beijos!

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  4. Ai, minha nossa... voce escreve demais... emociona muito...

    Obrigada, amiga linda, por nos proporcionar momentos assim...

    Um dia lindo e um beijo com carinho!

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  5. Que sonho frágil e colorido como as espumas e bolhas do sabão... Ainda que com tristeza e saudades, um sonho realizado.
    Adorei Ivani, um belo texto. Acho que num tempo em que tudo tem uma explicação lógica, científica, deparar com um Brasil ali, na curva daquelas águas faz tanto bem...
    Beijo

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  6. bonito texto, gostei do seu blog!!! se gostas de gatos, vem conhecer o meu,,

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  7. Você escreve muito Ivani, poderia criar um livro de crônicas sobre o cotidiano. Pense no assunto.
    Muitas pessoas se aventuram em morar em outro país e acabam ficando com duas nacionalidades, legal que mesmo com as saudades, ela tenha gostado da decisão que tomou em ficar em nosso país.

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  8. Ivani, estava lendo o teu belo relato e imaginando o final. Não me enganei. Era mesmo uma aldeã portuguesa sonhando com uma vida melhor depois da curva do rio, no Brasil.
    Beijo

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  9. TODOS NòS BUSCAMOS ALGO MELHOR, AS VEZES ATRAVESSAMOS A CIDADE,OUTRAS O País, E OUTRAS O OCEANO, COMO EU .
    DONA JULIA DEVERIA SER UMA MULHER ESPECIAL COM TRÊS FILHAS PARA CUIDAR E A SAUDADE GUARDADA NO CORAÇÃO.

    BACIONE

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  10. Amiga Ivani,

    Muitas vezes imaginamos o que há do outro lado de um morro,depois de uma curva de rio ou além do horizonte...e sonhamos,imaginamos e nos perdemos em conjecturas,floreando um futuro e um destino diferente da nossa vidinha comum e simples...e nem precisamos ir para outro país,muitas emoções podem surgir perto de nós,onde a gente menos espera.
    A sua amiga teve que sair de seu canto,ir além da curva do rio,atravessar o mar,para encontrar a felicidade,embora sentindo a dor da saudade permeando seus momentos de alegria.

    Linda história,amiga...repleta de sonhos e de realizações,apesar da nostalgia que sempre a acompanhou.Grande mulher a Dona Júlia...e belo o modo de narrar que você encontrou.Fiquei presa à sua história,do começo ao final.Parabéns,minha querida.

    Bjsssss,
    Leninha

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  11. Que lindo ,Ivani!!E deu pra imaginar essa D.Julia e sus saudades e imaginção...

    Tão comovente com teu jeitinho de contar.Adoro te ler.

    E não sei por que cargas d'água, não atualiza o teu blog na minha lista de leituras. Acabei de me colocar novamente como seguidora.Vamos ver se funciona!

    Não quero chegar sempre atrasadinha aqui,rsrs beijos,chica, tudo de bom! Boa noite!

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  12. OI MINHA DOCE AMIGA!
    ADORO A FORMA COMO VOCÊ ESCREVE, SEMPRE ME EMOCIONA E SEMPRE SAIO DAQUI TRANSFORMADA.MUITAS VEZES PRECISAMOS ATRAVESSAR NOSSOS RIOS, NOSSAS ÁGUAS, NOSSOS MARES E DESCOBRIE O QUE HÁ LÁ DO OUTRO LADO.
    OBRIGADA PELO ENORME CARINHO DE SEMPRE COMIGO, NEM IMAGINAS O QUANTO ME FAZ BEM LER SEUA COMENTÁRIOS SEMPRE TÃO AFETUOSOS. OBRIGADA, OBRIGADA, OBRIGADA!!!!!!!
    UM BEIJO ENORME

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  13. Ivani querida, quantas "Donas Júlias" ainda devem andar por aí chorando saudades da família afastada...
    Mas, com o exemplo da D. Júlia do Sr.Fernando, toca-se o barco pra frente, sempre por amor.
    Beijos,
    Beth

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  14. Pensei algo bem triste, mas vou falar mesmo assim, pensei que melhor chorar pelas família, filhos, amigos que se vão nos barcos, nas águas, espumas, trabalhos, buscas, amores que chorar por irem para mundos obscuros, lamas, perdições e caminhos sem volta.

    Pensei tb em um texto muito lindo sobre rio, sobre arriscar-se, de Osho, que adoro e vou dividir com vc:
    “Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada,os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre.
    Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar.
    Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente.
    O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é
    renascimento.”

    Além de pensar td isso, tava aqui pensando como essa sua nova foto está linda, iluminada, sorridente, contagiante.

    Paz e bem querida :)

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  15. Oi Ivani!

    Sabe,amiga,as meninas daquela época,não possuiam os recursos de tecnologia que possuem as de hoje,mas eram muito mais românticas,delicadas e ternas...agora,uma coisa eu invejo nas meninas atuais e é o fato de não se submeterem aos caprichos dos namorados...um ciumento igual ao meu noivo,seria logo despachado sumariamente..."a fila anda"é o que elas falam e não pensam duas vezes.
    Mas os bailes,as festas,o clima romântico isto eu não trocaria pelas festas regadas a bebida que acontecem nesta era tão moderna,mas de pessoas tão sós...

    Bjsssss,amiga,
    Leninha

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  16. Oi querida Ivani
    Lindo como sempre!
    Voc~e é minha escritora preferida!
    Beijinhos

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  17. Ivani querida,

    Duas gerações atrás apenas parece que ainda era muito comum
    as mulheres deixarem os seus para seguir o amado, que muitas vezes elas mal conheciam, não é verdade?
    E não era raro ter que segui-lo para outras partes do mundo, o que as desenraizava para sempre. Destemidas mulheres e belo texto! rsrs.

    Beijo e bom fim de semana!

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  18. Ivani...este texto daria um romance...adorei a história de uma vida! De uma de muitas Donas Julias que passaram por isso!
    Parabéns pelo conto, pelo texto...adoro como vc escreve, nos prende!
    Te desejo um ótimo final de semana com sol e bons pensamentos!
    Beijos
    CamomilaRosa

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  19. Como não me podes ver dai, eu escrevo:
    Bato palmas ao teu texto, á tua maneira de escrever (eu sei que já o disse muitas vezes..)
    Menina como tu escreves bem, como tocas o coração de quem te lê...
    Como eu gosto de vir aqui....
    Beijos

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  20. LINDO IVANI LINDO

    SABE QUE NÓS TODAS TEMOS UM POUCO DESSA MOÇA , EU MESMA QUANDO SAI DE SP E FUI PARA O MATO GROSSO MORAR COM 21 ANOS DE IDADE DOIS DIAS DEPOIS DE ME CASAR ..FUI MORAR NA FAZENDA UM LUGAR RUSTICO ..LONGE .. SOFRI E CHOREI DEMAIS
    SO PODIA VIR PARA CASA UMA VEZ POR ANO E ERA MUITO DIFÍCIL
    IMAGINO E SINTO O QUE ESSA MOÇA DEVE TER SOFRIDO DE SAUDADE
    E A FALTA DA FAMILIA .. A DOR DA IDA E DEIXAR NOSSOS PAIS
    POR UM MOMENTO LEMBREI DE MIM
    ME EMOCIONOU
    BEIJOS E BOM DOMINGO
    OTILIA

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  21. Oi,Ivani! Voltei pra agradecer o carinho, torcida e comentário..Vamos que vamos,né? Confiantes e em frene!! beijos,lindo domingo!chica

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  22. Bom dia querida Ivani!

    Que bom estar aqui lendo suas estórias, suas crônicas, me faz bem, mesmo qdo é triste e me dá um nó na garganta.
    Esse texto é lindo, você escreve tão lindamente, a história de Júlia e Fernando... tantas pessoas se aventuram a viver em outros países em busca de uma vida melhor, + digna, e com isso deixam para trás toda seus familiares, para nunca + vê-los. Vi aqui muita gente que vive essa experiência, e imagino como deve ser difícil.

    Um grande abraço Ivani, e uma boa semana pra você.

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  23. Bem cedinho já dei risadas com teu comentário na Tita e sanfona. E logo ela que é a própria "sem jeito mandou lembranças",rsrs

    Imagina só!! beijos,lindo dia!chica

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  24. Adorei tua idéia...E sabes, pra ser mais fácil de me encontrar vou estra lá te esperando de joaninha,tá? E tamanquinhas,rsrs Afinal, lá é descanso!!sr beijos,chica

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