Despediu-se da filha, do neto, fechou a porta do apartamento e deixou-se cair no sofá.
Estava cansada, e o ato de se recostar um pouco foi muito relaxante. Fechou os olhos e respirou profundamente, sentindo o cheirinho bom de tinta fresca, de paredes limpas.
Finalmente terminara a mudança, que custou muitos dias de idas e vindas com o carro cheio de roupas e tralhas de cozinha.
Tudo em ordem, poucas coisas restavam fora dos armários, na manhã seguinte daria conta do resto...
Da casa vazia que ficou, as chaves nas mãos do novo dono, nenhuma saudade, poucas lembranças ficarão.
Foram poucos anos por lá, não criou raizes. Ela e o marido haviam feito planos, finalmente um lugar tranquilo, bonito, árvores e águas.
Seria um refugio para toda a vida, o resto de suas vidas.
Uma vida que tinha sido boa, de muito trabalho e companheirismo. De filhos queridos, casados, netos chegando.
Uma vida cheia de planos, alguns realizados, outros nunca mais...muitos risos, muitas lágrimas.
Muita confiança, muito medo. Muita fé, muita decepção.
Muito amor, muita raiva, muita espera e muitas chegadas.
Uma vida como a de tantas familias, cheia de surpresas boas e sobressaltos.
Lá fora escurecia, lentamente, como se o sol estivesse espiando suas lembranças.
Levantou-se, foi até o terraço e ficou olhando a paisagem.
Já conhecia tudo ali, e então perguntou a si mesma:
- O que estou fazendo aqui, depois de tudo o que vivi, depois de tantos anos construindo uma historia?
É isso o que fica? é assim que acaba?
Aquela famosa frase "até que a morte os separe" , dita em um dia de tanta alegria e emoção, não explica o que fazer com quem fica...
E ela chorou, encostada à parede do terraço, vendo as primeiras luzes da noite brilharem através de suas lágrimas. As primeiras luzes da rua, as primeiras luzes das estrelas que iriam iluminar a primeira noite de sua nova realidade...